Martha Nussbaum inicia seu artigo
tentando caracterizar o amor através das suas diversas acepções amor
erótico-romântico, o amor de amizade e o amor filantrópico”. A filósofa comenta
também sobre a dificuldade de se encontrar uma “descrição excessivamente uniformizada” ou um conceito único para “tão complexo conjunto de fenômenos” e
sobre as tentativas dos filósofos ocidentais de “demonstrar que há formas de conservar a energia e a beleza desta
paixão, ao mesmo tempo [sic] que se
eliminam as suas más consequências”, no que ela caracteriza de “elevação do amor”.
e manifestações
em nossa sociedade e em outras culturas. Ela destaca que existem muitas
variedades de amor, dentre as quais o “
O texto é dividido em cinco seções.
Na primeira, a autora aborda as diversas concepções de amor e como têm sido
compreendidas tanto pelas pessoas em geral quanto pelos diversos pensadores
ocidentais e, apresenta o amor como emoção, relação e ação. Na segunda seção,
aprofunda os diversos tipos de amor explicitando o amor erótico-romântico, a
concepção grega antiga de eros, philia e
ágape e, a classificação do amor pelo seu objeto: outras pessoas, animais,
objetos inanimados, uma abstração moral ou o amor de Deus, onde opõe as concepções
estoica (mais racional) e agostiniana (mais emocional).
Na terceira seção fala sobre as
diferenças nas concepções de amor de acordo com as diversas sociedades e como
isso influencia na vivência do próprio amor. Ela distingue que as sociedades se
diferenciam nessas concepções em quatro pontos: a) “no comportamento que consideram adequado numa relação de amor”
(cada sociedade admite certos tipos de manifestação de afeto em público ou não);
b) “nas regras que as sociedades ensinam
a respeito dos objetos de amor adequados” (homem, mulher, jovens...); c) “avaliações normativas das diferentes
espécies de amor em si” (por exemplo, um determinado tipo de amor pode ser
“nobre ou indecoroso, bom ou mau”);
d) diferentes classificações e modos dos tipos de amor de acordo com a
linguagem e forma de vida dos diferentes povos e épocas.
Na quarta parte, Nussbaum aborda
a questão do amor e do desenvolvimento humano recordando alguns aspectos
(psicológicos?) da influência dos amores vividos na infância enquanto molde
para as relações amorosas que são vividas posteriormente. Ela salienta que,
apesar da importância das experiências primeiras de amor, há a probabilidade de
que, por não nos lembrarmos de maneira exata ou inteligível dessas
experiências, nosso autoconhecimento com relação ao amor acaba sendo
imperfeito.
No quinto e último tópico, ela
retoma a questão da elevação do amor (citada no início do texto) a partir da
ideia do amor como “fonte de beleza e
apreço na vida”. Apesar dessa positividade, a autora ressalta três
dificuldades, para quem “aspira uma vida
reta e virtuosa”, relacionadas ao amor: a) a parcialidade do amor que por fazer afirmações legítimas de outros objetos e metas”; b) a excessiva indigência do amante que
centraliza sua vida no objeto amado e torna-se como que refém de acontecimentos
que fogem a si e sacrifica, assim, “sua
dignidade e poder”; c) a raiva e a
vingança às quais o amor pode estar ligado, “quer contra o objeto amado quer contra um rival, ou ambos”.
com que o amante se fixe em
apenas um objeto propicia a perda de vista das “
A elevação do amor, então, seria
a conservação do mistério e da beleza do amor, mas sem os seus “excessos deformadores”, por exemplo, as
dificuldades apresentadas no parágrafo anterior. Então, Nussbaum apresenta a
ideia platônica de abstração do objeto de amor, isto é, perceber que o objeto
real de amor “não é um corpo nem mesmo uma
pessoa completa”, mas o belo que está presente em determinado corpo ou
pessoa e, a partir dessa consciência, contemplar e amar “a forma imortal da própria beleza em toda a sua harmonia”. Ela
mostra como autores modernos com Espinoza e Marcel Proust retomam a ideia
platônica da separação entre o objeto real e o objeto material de amor,
pretendendo uma “independência da mente
de contingências externas”.
Entretanto, ela contrapõe a essa
tendência a reação de James Joyce nos seus romances e a ideia cristã de amor
que implica não apenas numa autossuficiência pessoal, mas numa constante
consciência da própria imperfeição e miséria, assim, para os autores cristãos,
é necessário manter também o amor ao indivíduo específico “como parte do amor purificado”.
É interessante notar que, na
tendência platônica, pode-se cair no equívoco de amar a humanidade e odiar os seres humanos.
Ora não será justamente essa idealização excessiva do amor que afasta cada vez
mais o amante do amado real e não apenas propicia, mas aumenta a frustração do
amante com o amado, visto que quanto mais idealizado o amor, mais imperfeita pode
se tornar a concretização desse amor?
A impressão que tenho é que, ao retirar
o amor da pessoa real (ou de outro objeto mais concreto ou palpável) e
direcioná-lo a um objeto abstrato e impessoal, foge-se da vivência mais humana
do amor, vivência esta que implica não apenas em desejo ou contemplação do belo
em si, mas também em comprometimento. Isto é, o amor também pode ser resultado
de uma escolha – e essa dimensão não me parece ser abordada no texto de
Nussbaum a não ser sob a forma do amor relacional proposto de modo deficiente por
Aristóteles, pois não concebe a ideia de um amor não correspondido ou com uma
correspondência não tão evidente –, assim, escolho amar o outro com suas
imperfeições, suas debilidades, suas fragilidades muito humanas e, exatamente
por esse motivo, passíveis de serem amadas.
Encontramos, na pessoa de Jesus Cristo, ecos desse amor de escolha, com seu objeto, ao mesmo tempo, abstrato (a humanidade) e concreto (cada pessoa conhecida e amada pessoalmente no contexto histórico em que estava inserido), pois, segundo os relatos dos Evangelhos, ele escolheu entregar-se à morte porque amou os que estavam com ele no mundo e amou-os até o extremo (Jo 13,1). O amor de escolha de Jesus parece agregar não apenas conteúdo ao explicitado, na primeira seção do artigo, como “emoção, relação e ação”, mas como que unifica essas três concepções em torno do amor ágape, tal como comentado na segunda seção. Isto é, certo amor altruísta que envolve entrega de si a outro num modo de doação, serviço ou partilha de um dom/dádiva, que, inclusive, pode ser o próprio amor.
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