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quarta-feira, 17 de abril de 2013

Honestidade, Justiça e o pagamento pelo acesso ao conhecimento humano


Todos sabem que a Quaresma é sempre um tempo de voltar-se sobre as próprias ações, tempo de fazer um exame de si, diante da presença amorosa de Deus. A última Quaresma configurou-se para mim como um tempo de profunda graça, mas também de muita provação, principalmente devido à minha recente mudança de missão (o que ocasionou muitas outras mudanças: comunidade, cidade, cultura, rotina, tarefas...). Entretanto, quero ater-me aqui ao que considero ser um fruto da Quaresma e que, de certo modo, pode caracterizar um vislumbre da Páscoa.


A palavra de ordem aqui é HONESTIDADE. Ela é muito importante, pois à medida que me deparei com ela foram surgindo alguns questionamentos: O que é a honestidade? Quando somos ou deixamos de ser honestos? O que torna uma pessoa mais ou menos honesta? Não tenho a pretensão de fazer um tratado sobre a honestidade nessas poucas linhas, mas desejo compartilhar algumas inquietações que me foram ocorrendo durante o tempo quaresmal.

Tudo começou com uma questão digital: Usar programas obtidos através de outros é honesto? Ou ainda, considerando o programa uma forma de conhecimento, deve-se pagar por softwares e não ter acesso ao seu código? Nesse “jogo”, como fica a compensação pelo trabalho (há um modo sofista nesse ato – receber pelo conhecimento transmitido) de quem desenvolveu tal software ou, em outros temos, de quem “produziu” tal conhecimento? É igualmente interessante que, voltando um pouco atrás na História da Filosofia encontremos o pré-socrático Heráclito de Éfeso, segundo alguns Fragmentos, que afirma o conhecimento como um bem universal. Para ele, o lógos (“conhecimento”) é parte de um todo ao qual temos acesso, esse todo nos unifica. Então, esse todo deve ser compartilhado senão não serve de nada. Vejo isso como aquela ideia da pesquisa científica de que o conhecimento deve ser disponível para que, através da partilha e ajuda mútua, avancemos sempre mais no progresso humano.

Entretanto, essa inquietação não ficou restrita a esse ponto, mas foi avançando em direção à questão musical. Aqui, levem em consideração outros fatores, mas que podem igualmente ser transladados à dinâmica de desenvolvimento de um software comercial. Lembro, nesse momento, das grandes gravadoras que, normalmente, lucram muito mais do que o artista sobre o que ele produz e que, em outros momentos, até delimitam o que vem a ser “vendível” ou não é comercialmente viável, restringindo perigosamente a liberdade artística, portanto, o livre desenvolvimento do conhecimento. Considerando esse novo cenário refaço minhas indagações:
  1. É justo pagar quando as gravadoras ganham mais do que o cantor ou compositor?
  2. É justo pagar por um conjunto de músicas que você não conhece e, por tanto, não sabe vai valer a pena?
  3. Quem é que deveria estabelecer o preço final: Quem dá a infraestrutura final ou quem compõe ou quem interpreta ou quem compra?
  4. Podemos estabelecer uma modalidade de mercado mais justa?
Vamos perceber que, agora, apareceu a necessidade de estabelecer outro conceito (ou outro questionamento?): o que é justiça? Quando alguém é justo? É possível ser mais ou menos justo? É possível ser sempre justo? Deve-se ou pode-se ser justo o tempo todo?

Essas mesmas questões poderiam ser aplicadas a diversos outros setores que envolvem produção ou divulgação de conhecimento, por exemplo, a publicação de livros ou a necessidade, por motivos financeiros, dos alunos de graduação nas diversas universidades do país em tirar fotocópias de livros porque são muito caros. Partindo do pressuposto de que o conhecimento é um bem dá humanidade, também não se deveria cobrar por livros. Obviamente essa proposta é economicamente inviável, pois, como disse um amigo meu: “não existe almoço grátis” (o escritor precisa sobreviver, há custos com a impressão e divulgação dos livros...). Apesar disso, não deixa de ser um questionamento pertinente e relevante diante do mundo digital em que vivemos.

Pra mim, hoje parece que muita coisa se resume a quanto... E, principalmente, a quanto estou disposto a pagar por um determinado serviço. Mas, quem deveria estabelecer o valor do conhecimento? Quem o produz ou quem o compra? Aliás, é ético “comprar” conhecimento? Conhecimento, enquanto bem comum da Humanidade, tem valor de mercado? Certa vez, fui ao Teatro assistir uma apresentação baseada na obra “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Mello Neto e paguei a inteira por R$12,00 (eles não vendiam meia-entrada). Na mesma semana, fui ao cinema assistir uma comédia brasileira (um tanto norte-americanizada) e paguei meia-entrada (R$ 8,50). Qual das duas obras vale mais em dinheiro? Qual valeu mais enquanto experiência humanizadora? Qual me possibilitou um contato mais profundo com a minha própria humanidade? E, aqui, temos outro questionamento...

Tendo a pensar que isso de “honestidade” ou “justiça”, nesses casos, é algo muito relativo. Da minha parte, com relação à questão musical, tenho me preocupado com alguns artistas que não estão vinculados a essas grandes gravadoras como Karina Buhr, Tulipa Ruiz, Clarice Falcão, entre outros... Tenho sentido que, de certo modo, não pagar por essas obras é como se estivesse furtando dessas pessoas o direito de usufruir plenamente da contribuição que elas deram ao mundo e, também, pelo fato de que alguns deles deixam as músicas disponíveis pra baixar no próprio site, ou permitem que se compre apenas a música que deseja (hoje há lojas especializadas nisso) e paga-se apenas por ela e não por uma mídia com um monte de outras canções que a pessoa não tem a menor pretensão de ouvir. Surge aqui, para mim, uma questão mais fundamental, porque me implica de forma mais próxima, “é ético baixar música da internet e não pagar pela obra?”. Nesse ponto retomo outras duas questões anteriores: “é justo o preço que se paga por determinada obra? Quem tem direito de fixar esse valor?”.

Não estou nem defendendo que não se pague, mas, no caso da música estou inquieto com os intermediários, os atravessadores de cultura, por exemplo, as gravadoras que parecem fazer na cultura musical o mesmo papel que um atravessador de hortifrúti faz com os agricultores: pagam uma mixaria pelo produto para vendê-lo por preços exorbitantes ao consumidor final.

Diante de todas essas questões, cheguei a um impasse que sinto que não será resolvido tão cedo por motivos econômicos, pois, muitas pessoas não tem acesso à cultura por não terem condições financeiras de pagar o que é exigido. Decidi pagar o que é exigido como pagamento dessas coisas tanto quanto pessoas de “condições modestas” também poderiam pagar, usando ao meu favor as novas modalidades de aquisição que são oferecidas pelas mídias contemporâneas.

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