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segunda-feira, 29 de abril de 2013

Saindo da Caverna...

(Breve comentário à Alegoria da Caverna de Platão)

No início do Livro VII de “A República”, Platão nos brinda com o que comumente designamos, entre outros nomes, Alegoria da Caverna. À luz do seu projeto de formação de um Estado ideal, ele discute sobre a descoberta da Verdade (conhecimento) como percepção de uma realidade condicionada por diversos fatores (culturais, temporais, geográficos...). 

Platão apresenta um diálogo entre Sócrates e Glauco, no qual Sócrates propõe a seguinte imagem: um grupo de homens que moram numa caverna “desde a infância” e que estão agrilhoados “pelas pernas e pelo pescoço”, não podendo mover a cabeça nem “mudar de lugar”. Estes homens, posicionados de costas para a entrada da caverna, veem apenas as sombras daqueles que passam do lado de fora e que são projetadas por um fogo queimando entre eles e a abertura do lugar onde estão. O caminho para a saída da caverna é ascendente e tem um muro como um “tapume que os exibidores de marionete dispõem entre eles e o público”. 

Ao longo do texto, Sócrates vai conduzindo Glauco a uma série de conclusões a partir dessa imagem inicial. A primeira conclusão que chegam é a de que aqueles homens, na condição em que se encontravam, seriam capazes de enxergar apenas “as sombras de si mesmos e dos vizinhos”, além, obviamente, das sombras dos “objetos que desfilam” associando-as aos sons que ouviam dos ecos projetados pela parede em frente a eles. Para aqueles homens, essa era a realidade, isto é, as sombras que viam (e só viam isso) era o que consideravam como verdadeiro. 

Diante dessa conclusão, Sócrates propõe outra imagem: um dos homens é libertado dessas condições e forçado não apenas a mudar de posição (“levantar-se, virar a cabeça, andar, olhar para o lado da luz...”), mas, em seguida, é arrastado para fora e obrigado a subir o caminho em direção à “luz do sol”. 

É interessante notar que há uma progressão, não sem dor, no modo como o homem liberto vê a nova realidade em que está inserido. Inicialmente, é difícil para ele enxergar as coisas, pois, a luz o cega. Após conseguir diferenciar sombras e imagens, ele começa a ver através do reflexo que as coisas projetam na água, entretanto, ainda vê de maneira turva. Sua capacidade de enxergar aumenta à medida que o tempo passa e em que se habitua à nova realidade. Sócrates afirma que, passado algum tempo, “poderá contemplar o sol”, “o próprio sol, no lugar do sol, o sol tal como é”. 


O sol, para Platão – de quem, de certo modo, nos diálogos, Sócrates é a voz – é a representação do ideal grego do kalós kai agathós (“Belo e Bom”) e “a causa de tudo”. Ao vislumbrar o sol, o homem vislumbra o sumo Bem. Platão afirma que, para “comportar-se com sabedoria”, é preciso contemplar a ideia do Bem com a alma, com a inteligibilidade e, uma vez acessado o Bem, o homem não se contenta mais com sua situação anterior de ignorância. Há um quê de adesão, amor e fidelidade à Verdade apreendida. 

Entretanto, como dito no início desse texto, é preciso ter consciência de que nossa apreensão e assimilação do mundo, ou melhor, o conhecimento que adquirimos sobre ele, depende do modo da nossa inserção nesse mesmo mundo, pois, somos condicionados por esse modo de estar nele. É interessante que, na sociedade contemporânea, ainda existam cavernas e que temos colaborado com a construção de muitas outras. Somos levados a nos enganar, através dos sentidos, com as realidades ditas virtuais e com um novo mundo que se descortina com as novas tecnologias.

Platão intui que, com muito custo, é possível livrar-se das amarras da sensibilidade e enxergar as coisas com clareza, ou seja, é possível, com a alma, vislumbrar a essência do que existe. Todavia, num mundo em que vivemos dispersos porque imersos em bugigangas eletrônicas, redes sociais, algoritmos que se autoconstroem e sistemas que se autoconsertam, a pergunta que faço e que deixo aqui como inquietação é: como livrar-se das correntes, ou melhor, como permanecer desconectado sem a sensação de estar perdendo algo muito importante? Como permitir-se arrastar para fora da “caverna”, sabendo que apenas estando fora é que poderemos enxergar as coisas como de fato são?

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